14/04/2025

Carf dobra número de julgamentos sobre ágio em 2024

Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
Dobrou o número de casos de ágio julgados pela Câmara Superior do
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) no ano passado, em
relação a 2023. O movimento na última instância do órgão é resultado da
prioridade que foi dada aos casos de maior valor, geralmente bilionários. Foram
122 decisões sobre o tema, ante a 61 no ano anterior. Incluindo a instância
inferior, as turmas ordinárias, a Fazenda Nacional contabiliza um total de 172
acórdãos sobre o tema em 2024, com larga vantagem para a União nos casos
de ágio interno.
O ágio é um valor pago, em geral, pela rentabilidade futura de uma empresa a
ser adquirida ou incorporada por outra. A Lei nº 9.532, de 1997, permite seu
registro como despesa no balanço, ou seja, o valor pode ser amortizado para
reduzir a base de cálculo (lucro) do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL. Muitas
das discussões no Carf envolvem o chamado ágio interno e o uso de empresa
veículo.
A partir da Lei nº 12.973/2014, a amortização do ágio interno - feito entre
empresas de um mesmo grupo econômico - foi expressamente vedada. Nos
casos que envolvem empresa veículo, normalmente é criada uma holding para
captação de investimentos no exterior que depois é incorporada. Apesar da
previsão em lei, a Receita Federal costuma autuar as operações quando não vê
“propósito negocial” ou quando entende que o único intuito delas era o de
reduzir a carga tributária.
De acordo com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), dos 172
acórdãos do Carf, 39 trataram de ágio interno, sendo 37 deles com desfecho
favorável à União. Outros 73 discutiram o uso de empresa veículo, tese que a
Fazenda Nacional saiu vitoriosa em apenas 23 julgamentos, quase um terço do
total. O órgão considera só os recursos em que o mérito foi julgado (podendo
haver mais de um acórdão por caso) e que os valores discutidos ultrapassem R$
15 milhões.
O Carf é uma das principais apostas do Ministério da Fazenda para elevar a
arrecadação e cumprir a meta fiscal. Porém, o órgão não tem atendido às
expectativas, apesar de bater recorde no número de julgamentos. Para 2024, a
equipe econômica estimou arrecadar R$ 55 bilhões pelo Carf, mas entraram nos
cofres públicos apenas R$ 307,8 milhões, o equivalente a 0,5% do projetado.
Para este ano, a Receita já anunciou que vai reduzir a previsão arrecadatória
com o órgão, estimada em R$ 28 bilhões.
Os casos de ágio, segundo especialistas, acabaram virando prioridade no Carf.
Neste ano, já foram pautados 47 casos sobre o assunto para julgamento entre
janeiro e a primeira semana de abril, segundo levantamento do escritório Rivitti
e Dias Advogados, que analisou a pauta da Câmara Superior. Os valores
envolvidos nesses processos superam R$ 15 bilhões.
De acordo com o Rivitti Dias, a maioria dos recursos à última instância do
tribunal é da PGFN, o que mostra que os contribuintes têm vencido mais nas
câmaras baixas. Só 11 dos 47 casos pautados são das empresas, menos de um
quarto do total.
O de maior montante julgado em 2025 até agora foi a ação sobre ágio na
incorporação de ações da Bovespa feita pela B3, no qual foi cancelado um auto
de infração de R$ 5,7 bilhões. Especialistas dizem que foi a primeira vez que a
tese foi analisada de forma mais aprofundada.
Apesar dos montantes bilionários, os processos de ágio representam menos de
1% dos julgados pelo tribunal administrativo. Desde 2022, com a mudança de
governo, a quantidade decisões da Câmara Superior cresceu consideravelmente,
principalmente sobre ágio.
Em 2024, o Carf bateu recorde e julgou mais de 18 mil processos, que
representam R$ 800 bilhões em créditos tributários, segundo dados do órgão.
Apesar da atual paralisação dos auditores fiscais, as sessões da Câmara Superior
não foram suspensas.
No caso da B3, a Fazenda insistia na tese de que não havia “substrato
econômico” na operação. Segundo a tributarista Maysa Pittondo Deligne, sócia
do CPMG Advocacia e ex-conselheira do Carf, o caso é paradigmático, pois foi
a primeira vez que a Câmara Superior analisou a possibilidade do ágio na
incorporação de ações (processo nº 16327.720963/2019-07).
“Como foi uma aquisição de participação societária, o Fisco entende que não
houve substrato econômico nem desembolso de caixa, porque envolveu a
incorporação de ações, então não teve materialização no mundo econômico”,
diz. Mas prevaleceu a tese dos contribuintes. “A relatora entendeu que a
incorporação de ação é uma forma de aquisição de participação societária e que
houve um sacrifício econômico”, afirma a advogada.
As companhias não têm tido o mesmo sucesso no Carf quando se trata de
empresa veículo. A jurisprudência é muito oscilante, segundo Maysa. E,
normalmente, é aplicado o voto de qualidade, que é o desempate pelo
presidente do colegiado, um representante da Fazenda. “Quando tem holding
no meio, a fiscalização já começa a olhar a operação com outros olhos. Ela fala
que a operação é artificial e que há simulação”, diz.
As provas, acrescenta a tributarista, costumam ser decisivas nesses julgamentos.
Quando os contribuintes conseguem justificar o propósito negocial da
operação, eles têm saído vitoriosos.
Segundo a advogada Thais De Laurentiis, sócia do Rivitti Dias Advogados e
também ex-conselheira do Carf, os contribuintes têm conseguido derrubar as
multas qualificadas, de 150%, que já vinham embutidas no auto de infração,
pois o Fisco sempre entendia ser uma operação simulada. “Teve uma mudança
de jurisprudência muito importante. O Carf evoluiu para perceber que o que se
tem é uma divergência de interpretação sobre os limites da apuração do ágio e
da repercussão no imposto sobre a renda”, diz a tributarista.
As discussões sobre ágio interno também eram desfavoráveis às empresas no
passado, mas desde 2016, segundo Thais, as decisões passaram a ser mais
“fluídas”. “Passou a ter muito julgamento por voto de qualidade, sendo que
antes as decisões eram unânimes contra o contribuinte, sempre no contexto da
lei antiga”, afirma.
Nos casos que tratam de empresa veículo, as turmas ordinárias têm sido mais
favoráveis aos contribuintes. “Elas estão cada vez mais favoráveis a entender
que a existência pura e simplesmente de empresa veículo não significa que existe
um planejamento tributário abusivo, como entende a fiscalização”, adiciona.
Já na Câmara Superior, a análise varia muito a depender do caso, diz o
tributarista Paulo Coviello Filho, sócio de Mariz de Oliveira e Siqueira Campos
Advogados. Ele lembra de um caso recente da Companhia Siderúrgica Nacional
(CSN) que teve desfecho desfavorável à empresa.
“O relator entendeu que foi tudo negociado pelos investidores e que a empresa
criada para receber os investimentos estrangeiros era artificial, pois não era o
real adquirente, então não autorizou a amortização do ágio”, afirma Coviello
(processo nº 10600.720070/2018-18).
Já em outro processo recente envolvendo a Comgás, a amortização do ágio foi
permitida (processo nº 16561.720031/2016-31). De acordo com o advogado,
nada mudou na nova lei sobre ágio em relação à tese da empresa veículo - ao
contrário do ágio interno, que passou a ser vedado entre partes relacionadas.
“Isso mostra que o legislador não queria abraçar a tese criada pela fiscalização
do real adquirente. Ela foi criada para restringir ao máximo o direito do
contribuinte de forma ilegal”, diz.
Coviello tem mapeado pelo menos 150 ações sobre ágio no Judiciário, ainda em
primeira instância, na fase de instrução. Alguns casos já subiram ao Superior
Tribunal de Justiça (STJ), que deu decisões divergentes. Na 1ª Turma, há um
acórdão favorável à Cremer em um caso de empresa veículo (REsp 2026473).
Já a 2ª Turma, em um processo da Viação Joana D’arc, de ágio interno, foi a
favor da União (REsp 2152642).